Policiais utilizavam confrontos falsos para serem promovidos; carro foi alvo de quase 200 tiros
Policiais do Batalhão de Rondas Ostensivas Tático Móvel (Rotam), do Batalhão de Operações Especiais e da Força Tática em Mato Grosso utilizavam um grupo de extermínio contra criminosos, por meio de falsos confrontos, para serem promovidos e reconhecidos. Em uma das execuções, em uma região de chácaras nos fundos do condomínio Belvedere, em Cuiabá, que ocorreu em julho de 2020, um veículo Toyota Corolla foi atingido por quase 200 tiros.
Morreram André Felippe de Oliveira Silva, Gabriel de Paula Bueno, Jhon Dewyd Bonifácio de Lima, Leonardo Vinycius de Moraes Alves, Oacy da Silva Taques Neto, e Willian Dhiego Ribeiro Moraes. Sobreviveram ao ataque Geovane Ferreira Sodré e Rogério da Cruz Liberatori.
Segundo o delator do caso à Polícia Judiciária Civil, Ruiter Candido da Silva – que também participava do esquema –, os policiais forjavam os confrontos e os bandidos eram atraídos para a execução.
Os detalhes do caso foram inclusos nos autos do processo – em segredo de justiça – que deferiu mandados 81 de prisão temporária, e busca e apreensão. A decisão ao qual o Única News teve acesso foi assinada pela juíza Mônica Catarina Perri Siqueira, na última sexta-feira (25).
“As execuções de possíveis criminosos serviriam para recompensar os representados/militares com produtividade no âmbito funcional. Não obstante, no caso específico a versão dos militares, ora representados, é que eles receberam informações de que suspeitos iriam praticar um roubo nas imediações do Condomínio Belvedere”, diz trecho da decisão.
A versão dos policiais é de que os suspeitos, ao avistarem a viatura, passaram a atirar, instalando um confronto, ao passo que os militares revidaram. Após os disparos, três indivíduos alvejados foram encontrados no Corolla, enquanto mais dois estavam em um Fiat Uno, cor cinza, todos supostamente armados, enquanto um fugiu pela mata.
Entretanto, a versão dos policiais divergia da perícia do local do crime. Os policiais afirmaram que André Felipe estava na estrada, contudo, a análise mostrou que ele estava sentado no banco do motorista e apresentava estilhado do vidro – o que evidencia que ele foi atingido dentro do carro, por 11 tiros.
O laudo pericial e balístico mostra que tanto o Corolla quanto o Uno apresentaram quase 200 perfurações – 115 no primeiro carro, e 82 no segundo. Apesar de afirmarem que os suspeitos estavam armados, “coincidentemente”, as viaturas do Bope não foram alvejadas por nenhum tiro sequer.
Com diversos buracos, a perícia encontrou apenas 61 estojos de balas, “havendo indícios de que os representados alteraram a cena do crime, em evidente fraude processual, recolhendo grande parte dos estojos de munição, retirando o colete à prova de balas de uma das vítimas”.
Os sobreviventes confirmaram que Ruiter os levou até a emboscada, sob a alegação de ser segurança de um político e que a chácara em que iriam cometer o roubo tinha grande quantidade de dinheiro, ouro, joias e pedras preciosas oriundas de corrupção.
Rogério da Cruz, uma das vítimas que sobreviveu, disse que foi convidado a participar do crime por Jhon. O segurança estava em um veículo Fox Vermelho e fugiu assim que entraram na estrada de chão, quando os criminosos foram surpreendidos pro rajadas de tiro.
Segundo ele, não houve nenhuma ordem de parada por parte dos policiais, “muito pelo contrário, já se depararam com os disparos”. A versão de Rogério foi confirmada pelo segundo sobrevivente, Geovane Ferreira Sodré. Todos estavam com celulares, mas no local, os policiais entregaram somente o aparelho da vítima Leonardo Vinycius.
“Interrogado, o segurança/vigilante RUITER afirmou que este crime foi previamente acertado entre ele e os representados. Tratava-se de “flagrante preparado”, cujo intuito era matar os suspeitos, e sua função era “arregimentar bandidos interessados em cometerem roubo”, como de fato ocorreu”, diz trecho da decisão.
No dia seguinte ao crime, Ruiter disse que recebeu uma recompensa em dinheiro e dois aparelhos celulares do Soldado Lauriano e do Sargento De Abreu, alvos da investigação no âmbito da Operação Simulacrum.
“Os representantes pormenorizaram as condutas de Ruiter e dos representados: Ruiter era o informante responsável por cooptar, convencer e atrair as vítimas (supostos criminosos) para o local previamente ajustado com os representados, a fim de serem executadas. Em troca, Ruiter obtinha benefício financeiro e patrimonial, recebendo dinheiro e objetos de valor que eram apreendidos em poder das vítimas, notadamente, aparelhos de telefone celular”, aponta os autos.
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